Paranaprevidência irá excluir vantagens de servidores aposentados

  PARANAPREVIDÊNCIA IRÁ EXCLUIR VANTAGENS DE SERVIDORES APOSENTADOS QUE FORAM TRANSFORMADOS DE CELETISTAS PARA ESTATUTÁRIOS PELA LEI 10.219/92

                                     * Eduardo Chamecki

 

Os servidores públicos estaduais que tiveram seus contratos de trabalho transformados em cargos públicos, passando à condição de estatutários com a edição da Lei Estadual 10.219/92, e que incorporaram em seus benefícios de aposentadoria gratificações de cargos em comissão, terão seus benefícios revisados para excluir de seus proventos mencionadas vantagens.

Está tramitando na PARANAPREVIDÊNCIA, em fase adiantada, processo administrativo cujo objeto é a revisão do benefício de 89 (oitenta e nove) servidores estaduais inativos que incorporaram gratificações havidas na atividade, enquanto funcionários celetistas, mormente, cargos em comissão.

A motivação apresentada para revisar os benefícios é de que a inclusão das vantagens é indevida e ilegal e, como tal, o ato administrativo concessório é passível de revisão de ofício pela Administração Pública. A entidade sustenta que as dúvidas outrora existentes acerca da ilegalidade da incorporação das vantagens provenientes dos cargos comissionados foram afastadas com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI-PR 1695, na qual a 2ª parte do art. 35, § 2º, da Constituição do Estado do Paraná foi considerada inconstitucional. Dito dispositivo estabelecia que “O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal será computado integralmente para efeitos de aposentadoria e disponibilidade, computando-se o tempo de serviço prestado ao Estado, para os demais efeitos legais.”

Aduz que os empregados públicos transmutados em servidores públicos adquiriram estabilidade, mas não efetividade, a qual, conforme preceito constitucional, depende de prévia aprovação em concurso público. Assim, não poderiam ser equiparados aos servidores efetivos para todos os fins. Acrescenta, ainda, que os regimes celetista e estatutário são incomunicáveis, não havendo possibilidade de se transladarem vantagens (adicional de tempo de serviço, licença especial, etc) de um para outro.

Ressalta que diversos servidores têm utilizado os benefícios concedidos com a incorporação das vantagens celetistas de cargos em comissão como paradigmas para sustentar pleitos objetivando incluir adicionais em seus proventos de aposentadoria, concluindo que a manutenção destes benefícios representaria ofensa ao princípio da isonomia. Ao final, conclui pela necessidade de revisão, com a exclusão das referidas vantagens com efeitos ex nunc, para, com isso,  convalidar os benefícios concedidos.

Todavia, a despeito da plausibilidade da motivação apresentada, os servidores inativos atingidos têm bons argumentos para contrapor à pretensão de revisão de seus benefícios. Isto porque a pretendida exclusão das vantagens derivadas de cargos comissionados representaria frontal ofensa a direito adquirido e ato jurídico perfeito, além de gerar indesejada insegurança jurídica na relação entre Administração Pública e administrados, e prejudicar situação consolidada em que se encontravam servidores públicos de boa-fé. Contraria, ainda, a norma constitucional, que garante a irredutibilidade dos proventos e vencimentos.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXVI, elevou o  respeito ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito ao status de direitos e garantias fundamentais do indivíduo, objetivando resguardar a segurança jurídica e a ordem constituída, pilares basilares do Estado Democrático de Direito.

É circunstância aceita de forma uníssona pelos Tribunais Superiores e pela doutrina especializada que os proventos de inatividade são regidos pela legislação vigente no momento em que se reúnem os requisitos legais para gozar de determinado benefício. Outro não poderia ser o entendimento, pois a aplicação de lei nova para benefícios em vigor – para quais já se consolidaram todos os atos necessários para o seu pleno gozo – implicaria na indevida aplicação retroativa da lei nova, expressamente vedada pela lei civil (LICC, art. 6º).

Na verdade, a não aplicação da lei nova para benefícios previdenciários é matéria já pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 359, o qual se pronunciou pela incidência irrestrita do princípio da irretroatividade: “ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária”.

Conforme expressamente preceitua o art. 75, da Constituição do Estado do Paraná, a concessão da aposentadoria a servidor público somente produzirá efeitos após a apreciação de sua legalidade pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná:

Art. 75. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio  do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

(…)

III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta ou indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

(…)

§ 5° No caso de aposentadoria, o ato referido no inciso III deste artigo somente produzirá efeito após seu registro pelo Tribunal de Contas, que o apreciará no prazo máximo de sessenta dias.

Assim, se à época da concessão foi expressamente reconhecida a legalidade do benefício concedido, ou seja, se o Tribunal de Contas corroborou sua adequação à legislação vigente, é evidente que este ato não pode ser alterado por posterior mudança de entendimento acerca do assunto. O parecer pela legalidade exarado pelo Tribunal de Contas vincula a conduta da Administração Pública. Preenchidos todos os pressupostos, está caracterizado o ato jurídico perfeito e, conforme vem reconhecendo a jurisprudência pátria, representada pelas ementas apresentadas a seguir, não mais pode ser alterad

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO ADMINISTRATIVO VISANDO ANULAR APOSENTADORIA – REDUÇÃO DE PROVENTOS – 1) Nulo é o processo administrativo que visa anular aposentadoria devidamente registrada no Tribunal de Contas do Estado. Constituída ato jurídico perfeito, não pode Decreto governamental pretender ferir certeza, liquidez e tranqüilidade jurídica que dela resulta, por não ser a via adequada. 2) Revogado o Decreto que reduzia os proventos, restou prejudicado, neste aspecto, o writ. 3) Segurança concedida parcialmente. (TJAP – MS 010995 – T.P. – Macapá – Rel. Juiz Dôglas – DJAP 26.05.1998).

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – EXISTÊNCIA – PRELIMINAR REJEITADA – ATO OMISSIVO – APOSENTADORIA – DIREITO ADQUIRIDO – SEGURANÇA CONCEDIDA – 1 – Existindo nos autos farta documentação comprobatória da liquidez e certeza do direito adquirido da impetrante, deve ser afastada a alegação de inexistência de prova pré-constituída. 2 – Preliminar rejeitada. Unanimidade. 3 – Tendo a impetrante adquirido direito de passar à inatividade com as vantagens do cargo de Secretário de Estado da Educação, hoje Gerente, direito este devidamente reconhecido pelo Diretor da Divisão de Direito e Deveres da Secretaria de Estado da Educação, corroborado com o parecer do Tribunal de Contas, deve ser concedida a ordem pleiteada. 4 – Segurança concedida. Maioria. (TJMA – MS 012315/99 – (30008) – C.Cív.Reun. – Rel. Des. Raimundo Freire Cutrim – DJMA 12.05.2000).

Observe-se que a norma da Constituição Estadual consigna que, após a análise da legalidade do ato pelo Tribunal de Contas, somente serão admitidas melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório, restando contrario sensu afastada a possibilidade de revisão para reduzir o benefício. Até porque, disposição em contrário afrontaria a garantia constitucional de irredutibilidade dos vencimentos. 

Ademais, o direito ao recebimento dos proventos de inatividade com a incorporação dos adicionais decorrentes do tempo celetista já se encontra incorporado ao patrimônio pessoal de cada servidor, caracterizando-se como direito adquirido. Em consonância com a norma do art. 6.º, § 2.º, da Lei de Introdução ao Código Civil, “consideram-se adquiridos assim os direitos que seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.

Feitas estas considerações, conclui-se que a controvérsia delineada nos parágrafos anteriores certamente proporcionará calorosos debates e, muito em breve, será levada ao crivo do Poder Judiciário que irá decidir entre: a) privilegiar a sistemática atual, que veda a incorporação de vantagens e adicionais aos proventos de inatividade, principalmente àqueles originados do tempo de celetista, bem como a decisão proferida na ADI 1695, que declarou a inconstitucionalidade da utilização do tempo de emprego público “para os demais efeitos legais” além do cômputo para aposentadoria, e, com isso, evitar afronta ao princípio da isonomia em relação aos servidores que não incorporaram vantagens benefícios; ou b) privilegiar a boa-fé dos servidores e a segurança jurídica, consubstanciada na estabilidade e previsibilidade nas relações entre administrados e Administração Pública, preservando o respeito ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.      

* Advogado. Pós-graduando em Direito Previdenciário, nas Faculdades Integradas Curitiba.